terça-feira, 25 de abril de 2017

MANIFESTAÇÕES CUTÂNEAS E O HTLV - PARTE VI



On-line version ISSN 1806-4841

An. Bras. Dermatol. vol.83 no.5 Rio de Janeiro Sept./Oct. 2008

EDUCAÇÃO MÉDICA CONTINUADA

Manifestações Dermatológicas na HAM/TSP

A HAM/TSP é mielopatia grave e incapacitante, de início insidioso, que compromete o controle vesical, acarreta distúrbios sensoriais e paraparesia espástica lentamente progressiva.30 Predomina em adultos do sexo feminino, embora seja relatada em crianças e adolescentes.6, 26, 30 É relacionada com transmissão por via sexual no adulto e com carga proviral aumentada.6 O risco para desenvolvê-la ao longo da vida é estimado entre 0,3 e 4% dos infectados.7 Caracteriza-se por resposta de imunidade celular pro-inflamatória exagerada, com produção de IFN-γ e TNF-α, possivelmente aliada a condicionamento genético.7 Lesões de pele já foram descritas em associação com a HAM/TSP: xerodermia, eritema palmar e malar foram observados em pacientes japoneses.60 Os quadros de xerose cutânea são os mais freqüentemente associados à doença 61 (Figura 3). Estudo brasileiro demonstrou freqüência aumentada de dermatofitoses (onicomicose), xerose, dermatite seborréica, eritema palmar e candidíase no grupo de doentes, contudo a associação significativa foi para xerose, candidíase cutânea e eritema palmar. No mesmo estudo outras alterações descritas foram: eczema crônico, reações por drogas, fotossensibilidade, escabiose, verrugas, foliculite decalvante, eritema nodoso, vitiligo e molusco contagioso.61 Ictiose adquirida de caráter moderado a grave foi encontrada em 43% de um grupo de pacientes avaliados em outro estudo.62 Enquanto a candidíase poderia ser explicada pela perda do controle esfincteriano,61 as alterações xeróticas e a ictiose adquirida não têm seu mecanismo completamente esclarecido.17 Alterações autonômicas com redução da resposta simpática na pele são descritas nos indivíduos com HAM/TSP, mas o dano direto na pele pelo linfócito infectado poderia estar implicado na gênese da xerose.61 A ativação de queratinócitos foi demonstrada por Milagres e colaboradores,62 que admitem o papel de citocinas produzidas por linfócitos infectados nesse processo. A associação da DI com HAM/TSP já foi comentada.30 A Organização Mundial de Saúde inclui nos critérios para o diagnóstico da HAM/TSP manifestações sistêmicas não neurológicas, que podem estar associadas, e entre elas a síndrome de Sjögren, ictiose, vasculites e ATL.63

Manifestações dermatológicas em indivíduos assintomáticos soropositivos para o HTLV-1

Além das várias manifestações cutâneas observadas na ATL e na HAM/TSP, existem evidências de que lesões dermatológicas podem estar associadas à infecção pelo HTLV-1 em indivíduos assintomáticos 17, 64 (Quadro 2).
Em estudo transversal feito em candidatos à doação de sangue, Gonçalves e colaboradores 18 encontraram alterações da pele predominando significativamente no grupo de soropositivos assintomáticos para o HTLV-1 quando comparado ao grupo controle soronegativo. Dermatofitoses, dermatite seborréica e ictiose adquirida foram associadas à soropositividade (Figura 4). A detecção do provírus na lesão, utilizando- se a técnica de PCR, foi mais freqüente nos espécimes de pele com lesão do que na pele normal, controle pareado, do mesmo paciente.18 Outro estudo transversal feito em três gerações de família com alta prevalência de infecção pelo HTLV-1 demonstrou a relação entre a infecção e o achado de lesões cutâneas, especialmente as relacionadas à xerose.65

Tem sido relatado que pacientes atendidos em clínicas dermatológicas, com ênfase ou não em tratamento de doenças de transmissão sexual, têm maior prevalência da infecção pelo HTLV-1 do que a observada na população em geral.66-68 A ocorrência de DA e DS foi significativamente associada à infecção pelo HTLV-1 na Jamaica.69 A DS foi associada à alta carga proviral em crianças, enquanto a DA não mostrou tal associação.28 Posteriormente a DA foi observada em 16 crianças dessa mesma coorte, e foi relacionada a aumento da carga proviral por um ano depois do ponto de estabilização dos títulos de anticorpos, sugerindo expansão de clones de células infectadas. Os autores aventam a possibilidade de que essa expansão clonal possa ser um marcador para doença relacionada ao HTLV-1 na idade adulta.70

A associação da escabiose com a infecção pelo HIV e pelo HTLV-1 é bem conhecida.71 Em países cuja prevalência da infecção pelo HTLV-1 é alta, a escabiose crostosa (EC) é um marcador dessa infecção. A EC tem características psoriasiforme e verrrucosa nas mãos e pés, com hiperqueratose das unhas, eritema e descamação envolvendo face, couro cabeludo e tronco (Figura 5). Pode ainda estar localizada exclusivamente em face, mão, pé, pododáctilo ou região plantar. O prurido pode ser mínimo.71 As causas descritas para esse tipo de escabiose são: supressão da resposta celular T (como na infecção pelo HIV, HTLV-1, ATL e transplantados), diabetes, várias neuropatias (incluindo a hanseníase), artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico e desnutrição. Nos indivíduos sem fatores identificados para imunossupressão é possível que o quadro seja decorrente de resposta imune do tipo Th2.53 Interessante salientar que a EC tem sido relatada na HAM/TSP61,72 condição conhecida pela grande produção de citocinas pró-inflamatórias, mas que tem também títulos aumentados de anticorpos. 7 Em 78 casos de EC estudados na Austrália, observou-se aumento de IgE em 96% e eosinofilia em 58%. Nesse estudo, fatores de risco para imunossupressão estavam presentes em mais da metade dos casos, incluindo três pacientes com infecção por HTLV-1.53 Em estudo de 91 casos de escabiose na Bahia, Brites e colaboradores73 encontraram 32% dos casos associados à infecção por HTLV-1 e 20% em coinfectados por HIV/HTLV-1. Escabiose crostosa foi preditiva da co-infecção HIV/HTLV-1 e pareceu estar associada à imunodeficiência grave e ao óbito. Nenhum caso de ATL foi observado, em seguimento de dois anos. Formas graves de escabiose (mais de 80% do corpo com lesões, mas sem todas as características de EC) foram fortemente associadas com infecção por HTLV-1.73 No Peru, 23 casos de EC foram testados para HTLV-1, resultando em 69,9% de soropositividade. Dos 16 soropositivos, um caso de ATL e quatro eram infectados assintomáticos, incluindo três casos com infestações recidivantes que resultaram em dois óbitos.72 Relatos de casos de EC associados a tinhas também foram descritos em indivíduos soropositivos assintomáticos.74, 75
 As micoses superficiais podem ter sua clínica modificada pela imunossupressão não só na morfologia e extensão das lesões como também na evolução.54 Formas graves, invasivas de infecção foram descritas na ATL.54 Onicomicoses foram observadas em casos de HAM/TSP, sem associação significativa.61 As dermatofitoses foram associadas à condição de soropositividade, especialmente a tinha dos pés18, 64 (Figuras 6 e 7).

O encontro de lesões de pele em soropositivos assintomáticos pode ter relevância para o diagnóstico da infecção pelo HTLV-1 e na abordagem de lesões recidivantes ou refratárias ao tratamento convencional.64 Em um país de dimensões continentais, com grande fluxo migratório de populações e que tem áreas conhecidamente endêmicas para a infecção pelo HTLV-1, é da maior importância a atenção do dermatologista para fazer a investigação em pacientes com ictiose adquirida sem causa aparente, EC, dermatofitoses e DS atípicas ou de difícil controle, e em crianças com eczemas extensos refratários ou que tenham critérios para diagnóstico de DI.
Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0365-05962008000500002
Contato: Carlos Soares 51 999.76.2483(vivo) – Email: htlv.pet.rs@gmail.com

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