terça-feira, 11 de abril de 2017

MANIFESTAÇÕES CUTÂNEAS E O HTLV - PARTE V



On-line version ISSN 1806-4841

An. Bras. Dermatol. vol.83 no.5 Rio de Janeiro Sept./Oct. 2008

EDUCAÇÃO MÉDICA CONTINUADA

 

Dermatoses e leucemia/linfoma de células T do adulto (ATL)

A ATL é forma grave de leucemia/linfoma relacionada ao HTLV-1, tem prognóstico reservado e não responde bem aos tratamentos quimioterápicos convencionais. 33 Em sua gênese a proteína Tax tem papel determinante.7 A estrutura genômica do HTLV-1 tem região denominada pX, que faz a codificação para proteínas essenciais (Tax e Rex) e acessórias (p12, p13, p30), participantes da regulação da replicação viral e proliferação de células infectadas.7, 34 A proteína Tax é conhecida por seu efeito marcante na proliferação celular, através da ativação de fatores da transcrição celular, como NFkB, AP-1, CREB e SRF, e ainda por sua capacidade de inibir a atividade funcional de fatores supressores de tumores como o p53, Rb e hDLG.34 Sua ligação direta com as quinases ciclino-dependentes e MAD1 leva à instabilidade cromossômica e desregulação do ciclo celular. Como resultado inibe a apoptose e leva à proliferação celular que resulta na transformação maligna das células.7, 34

As manifestações cutâneas na ATL devem ser diferenciadas de várias dermatoses, de acordo com os tipos de lesões elementares predominantes. O diagnóstico diferencial com a micose fungóide (MF) e outros linfomas cutâneos (LC) sempre deve ser feito, e os critérios para isso são bem definidos.35 Entretanto, existem controvérsias sobre a relação dessas entidades.36 Embora vários estudos tenham demonstrado positividade para Tax, tanto em pacientes com LC como em familiares, outros autores não reproduzem resultados semelhantes, incluindo estudos de vários tipos de LC.36-43 Recentemente, soropositividade para anticorpos contra gag e env do HTLV-1 foi descrita em 52% de um grupo de pacientes estudados, com diagnóstico de MF.36 Entretanto, o material genético do vírus foi encontrado na pele de apenas dois pacientes. Diferenças nos testes diagnósticos e baixo número de cópias são aventados como possíveis explicações.36

O país com maior número de casos conhecidos de ATL é o Japão, embora essa leucemia tenha sido descrita nas demais áreas endêmicas para o HTLV-1.6 Sua real incidência é desconhecida no Brasil44 e possivelmente em outras regiões, devido a fatores tais como seu curso rápido, dificuldade para diferenciá-la de outras doenças, desconhecimento por parte dos profissionais da saúde e carência de recursos para utilização de técnicas necessárias para seu diagnóstico correto em regiões menos desenvolvidas.6

No Brasil, ATL é freqüentemente diagnosticada entre as doenças linfoproliferativas em vários estados brasileiros.45,46 Trata-se de linfoma de células T periféricas, e a pele é freqüentemente comprometida.47 Embora não seja obrigatório, o comprometimento da pele ocorre em percentuais variáveis segundo o tipo de manifestação da ATL.48 O comprometimento cutâneo ocorre entre 43 e 72%,47 tendo variado de 30 a 73% em série brasileira.48

Estima-se que, dos infectados pelo HTLV-1, apenas de um a 5% desenvolvem ATL. O tipo de doença associada ao HTLV-1 possivelmente depende de fatores genéticos do hospedeiro, incluindo os haplótipos do HLA que determinariam a suscetibilidade à infecção, a diferença das respostas específicas da células T e a carga proviral, e de fatores ambientais (modo de transmissão, dose do inóculo viral, idade, outras infecções).6, 34, 49 Admite-se que a transmissão vertical, principalmente pelo aleitamento materno, esteja relacionada ao risco futuro para desenvolvimento da ATL.6 Estudo brasileiro mostrou também a importância do aleitamento por amas-de-leite na transmissão do HTLV-1 e no desenvolvimento de ATL em agrupamentos familiares de pacientes diagnosticados com ATL.46 Casos de ATL pós-tranfusionais são raros.33 Trata-se de doença que ocorre na idade adulta, embora existam casos descritos na infância e adolescência. 26, 31, 50 Admite-se que a infecção crônica e recorrente por Strongyloides stercoralis observada em muitos indivíduos infectados pelo HTLV-1 poderia levar à expansão clonal de linfócitos e ao aparecimento da ATL.51 Em crianças com diagnóstico de DI, a estrongiloidíase associada e a própria DI poderiam ser fatores relacionados ao aparecimento da ATL.25, 26 Em adultos a história de eczema crônico na infância foi descrita52 assim como quadro clínico indistinguível da DI em paciente com a forma indolente da ATL.21 A idade média da manifestação da doença no Brasil e Jamaica é cerca de 10 anos, inferior àquela observada no Japão, que se situa ao redor dos 60 anos.26, 33, 44 Diferenças na apresentação clínica também são descritas, e as razões para tal são desconhecidas, admitindo-se que fatores ligados à patogênese possam estar implicados.6, 33

As células da ATL expressam fenótipo T CD3+ CD4+ e CD8-, são CD25 positivas e induzem imunossupressão, características de células T reguladoras (Treg). Expressam vários genes de células Treg entre os quais o FoxP3 em mais de 50% dos pacientes com ATL.34, 47 A expressão de receptores para quimiocinas e moléculas de adesão mostra diferenças nas lesões cutâneas e nos infiltrados de células tumorais em órgãos linfóides, sugerindo que a expressão dessas moléculas tenha papel fundamental na definição do órgão-alvo em cada tipo de ATL.34

As manifestações cutâneas podem ser decorrentes da infiltração cutânea pela neoplasia ou de alterações inflamatórias reativas à ATL. Como se observa em outras doenças linfoproliferativas, na infecção pelo vírus da imunodeficiência humana adquirida ou mesmo na hanseníase virchowiana, o prurido, a xerose e a ictiose adquirida podem ser sinais ou sintomas prodrômicos e nesse contexto devem ser valorizados.17, 19, 35 Dermatoses relacionadas à imunossupressão, tais como a escabiose crostosa, herpes-zóster disseminado e infecções fúngicas atípicas, são descritas.17, 53, 54

Os critérios para o diagnóstico da ATL podem assim ser sumarizados: presença de anticorpos anti- HTLV-1, prova da integração monoclonal de segmento proviral do HTLV-1 em células tumorais, prova histológica ou citológica da presença de células malignas linfóides com antígenos de superfície da linhagem T (CD2, CD3 CD4+) e CD25+, presença de linfócitos anormais no sangue periférico (células com núcleos convolutos ou flower cells – exceção para o subtipo linfoma – e linfócitos pequenos com núcleos lobulados). 33 Outras manifestações clínicas e laboratoriais, como as lesões de pele e hipercalcemia, são pontuadas em critérios de probabilidade do diagnóstico.55 O espectro da ATL engloba os tipos agudo, linfoma, crônico, smouldering (indolente). A forma aguda predomina, enquanto as formas crônicas e cutâneas primárias seriam mais observadas no Japão em função do seu reconhecimento e diagnóstico mais precoces.6

O quadro clínico é polimorfo, e, diferente dos outros linfomas de células T não relacionados ao HTLV-1 que podem comprometer unicamente a pele, na ATL as lesões cutâneas são freqüentemente associadas ao comprometimento de órgãos internos,48 exceção para a forma cutânea primária associada ao HTLV-1.47

Na forma subaguda, indolente ou pré-leucêmica (smouldering) as lesões de pele geralmente constituem a primeira manifestação clínica, e podem preceder por meses ou anos a fase leucêmica aguda. As lesões podem assemelhar-se àquelas observadas na MF56 e em outras formas da ATL, mas freqüentemente são inespecíficas e respondem ao corticóide tópico.48 No Brasil, lesões cutâneas foram encontradas em 67% dos casos; 48 na forma aguda, foram descritas em 60% dos casos,48 com predominância de lesões papulosas e nodulares.17 A forma crônica foi a que teve maior percentual de casos com lesões de pele (73%) na casuística brasileira.48 O quadro clínico é arrastado, tem semelhança com a MF, e nele podem ser observadas placas eritêmato-edematosas e eritrodermia.17, 56

A forma caracterizada como linfoma foi a que teve menor percentual de comprometimento cutâneo (30%);48 entretanto, é a que tem manifestações mais exuberantes, com lesões extensas do tipo placas que tendem a se infiltrar formando nódulos e tumorações, além da presença de eritrodermia.17 Lesões purpúricas cujo mecanismo é desconhecido, mas não relacionadas à trombocitopenia, já foram descritas em oito pacientes no Japão.57 Em um caso relatado, os autores admitem que as lesões sejam específicas da ATL.57

A morfologia da lesão cutânea na ATL pode guardar relação com o aspecto da histologia e também com o prognóstico.47 Yamaguchi e colaboradores58 encontraram tempo médio de sobrevida de nove meses para pacientes com lesões nodulares, 11 meses para aqueles com pápulas e 32 meses para os que tinham eritema. O exame histopatológico da pele dos pacientes com ATL pode ser indistinguível da MF, mostrando densos infiltrados de células pleomórficas (linfócitos atípicos), que ocupam a derme e podem chegar ao subcutâneo. O infiltrado, que pode ser superficial ou mais difuso, consiste de células T de tamanho médio ou grande, exibindo núcleos pleomórficos ou polilobulados com epidermotropismo marcante. Na forma indolente observa-se infiltrado dérmico esparso com células mostrando poucas atipias.56 O padrão de linfoma de célula T periférica predomina, mas não é exclusivo, sendo descritos outros padrões.59
O prognóstico depende da variante clínica da ATL. Nas formas agudas e linfomatosas a sobrevida média varia de duas semanas a mais de um ano. Nas formas crônicas e indolentes o curso é mais protraído, sendo a sobrevida mais longa. No entanto, pode ocorrer a transformação para a forma aguda, com curso agressivo. Causas de óbito na ATL incluem as infecções como pneumonia por Pneumocystis jirovecii, herpes-zóster disseminado, meningite criptocócica, além de hipercalcemia e coagulação intravascular disseminada. 33,5

Contato: Carlos Soares 51 999.76.2483 - Email: htlv.pet.rs@gmail.com - www.vitamore.com.br

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