Anais
Brasileiros de Dermatologia – PARTE V
On-line version ISSN 1806-4841
An. Bras. Dermatol. vol.83 no.5 Rio
de Janeiro Sept./Oct. 2008
EDUCAÇÃO MÉDICA CONTINUADA
Dermatoses e
leucemia/linfoma de células T do adulto (ATL)
A ATL é forma grave de leucemia/linfoma relacionada ao HTLV-1, tem
prognóstico reservado e não responde bem aos tratamentos quimioterápicos
convencionais. 33 Em sua gênese a proteína Tax tem papel
determinante.7 A estrutura genômica do HTLV-1 tem região denominada
pX, que faz a codificação para proteínas essenciais (Tax e Rex) e acessórias
(p12, p13, p30), participantes da regulação da replicação viral e proliferação
de células infectadas.7, 34 A proteína Tax é conhecida por seu
efeito marcante na proliferação celular, através da ativação de fatores da
transcrição celular, como NFkB, AP-1, CREB e SRF, e ainda por sua capacidade de
inibir a atividade funcional de fatores supressores de tumores como o p53, Rb e
hDLG.34 Sua ligação direta com as quinases ciclino-dependentes e
MAD1 leva à instabilidade cromossômica e desregulação do ciclo celular. Como
resultado inibe a apoptose e leva à proliferação celular que resulta na
transformação maligna das células.7, 34
As manifestações cutâneas na ATL devem ser diferenciadas de várias
dermatoses, de acordo com os tipos de lesões elementares predominantes. O diagnóstico
diferencial com a micose fungóide (MF) e outros linfomas cutâneos (LC) sempre
deve ser feito, e os critérios para isso são bem definidos.35
Entretanto, existem controvérsias sobre a relação dessas entidades.36
Embora vários estudos tenham demonstrado positividade para Tax, tanto em
pacientes com LC como em familiares, outros autores não reproduzem resultados
semelhantes, incluindo estudos de vários tipos de LC.36-43
Recentemente, soropositividade para anticorpos contra gag e env do
HTLV-1 foi descrita em 52% de um grupo de pacientes estudados, com diagnóstico
de MF.36 Entretanto, o material genético do vírus foi encontrado na
pele de apenas dois pacientes. Diferenças nos testes diagnósticos e baixo
número de cópias são aventados como possíveis explicações.36
O país com maior número de casos conhecidos de ATL é o Japão, embora
essa leucemia tenha sido descrita nas demais áreas endêmicas para o HTLV-1.6
Sua real incidência é desconhecida no Brasil44 e possivelmente em
outras regiões, devido a fatores tais como seu curso rápido, dificuldade para
diferenciá-la de outras doenças, desconhecimento por parte dos profissionais da
saúde e carência de recursos para utilização de técnicas necessárias para seu diagnóstico
correto em regiões menos desenvolvidas.6
No Brasil, ATL é freqüentemente diagnosticada entre as doenças
linfoproliferativas em vários estados brasileiros.45,46 Trata-se de
linfoma de células T periféricas, e a pele é freqüentemente comprometida.47
Embora não seja obrigatório, o comprometimento da pele ocorre em percentuais
variáveis segundo o tipo de manifestação da ATL.48 O comprometimento
cutâneo ocorre entre 43 e 72%,47 tendo variado de 30 a 73% em série
brasileira.48
Estima-se que, dos infectados pelo HTLV-1, apenas de um a 5% desenvolvem
ATL. O tipo de doença associada ao HTLV-1 possivelmente depende de fatores
genéticos do hospedeiro, incluindo os haplótipos do HLA que determinariam a
suscetibilidade à infecção, a diferença das respostas específicas da células T
e a carga proviral, e de fatores ambientais (modo de transmissão, dose do
inóculo viral, idade, outras infecções).6, 34, 49 Admite-se que a
transmissão vertical, principalmente pelo aleitamento materno, esteja
relacionada ao risco futuro para desenvolvimento da ATL.6 Estudo
brasileiro mostrou também a importância do aleitamento por amas-de-leite na
transmissão do HTLV-1 e no desenvolvimento de ATL em agrupamentos familiares de
pacientes diagnosticados com ATL.46 Casos de ATL pós-tranfusionais
são raros.33 Trata-se de doença que ocorre na idade adulta, embora
existam casos descritos na infância e adolescência. 26, 31, 50
Admite-se que a infecção crônica e recorrente por Strongyloides stercoralis
observada em muitos indivíduos infectados pelo HTLV-1 poderia levar à expansão
clonal de linfócitos e ao aparecimento da ATL.51 Em crianças com
diagnóstico de DI, a estrongiloidíase associada e a própria DI poderiam ser
fatores relacionados ao aparecimento da ATL.25, 26 Em adultos a
história de eczema crônico na infância foi descrita52 assim como
quadro clínico indistinguível da DI em paciente com a forma indolente da ATL.21
A idade média da manifestação da doença no Brasil e Jamaica é cerca de 10 anos,
inferior àquela observada no Japão, que se situa ao redor dos 60 anos.26,
33, 44 Diferenças na apresentação clínica também são descritas, e as
razões para tal são desconhecidas, admitindo-se que fatores ligados à
patogênese possam estar implicados.6, 33
As células da ATL expressam fenótipo T CD3+ CD4+ e CD8-, são CD25
positivas e induzem imunossupressão, características de células T reguladoras
(Treg). Expressam vários genes de células Treg entre os quais o FoxP3 em mais
de 50% dos pacientes com ATL.34, 47 A expressão de receptores para
quimiocinas e moléculas de adesão mostra diferenças nas lesões cutâneas e nos
infiltrados de células tumorais em órgãos linfóides, sugerindo que a expressão
dessas moléculas tenha papel fundamental na definição do órgão-alvo em cada
tipo de ATL.34
As manifestações cutâneas podem ser decorrentes da infiltração cutânea
pela neoplasia ou de alterações inflamatórias reativas à ATL. Como se observa
em outras doenças linfoproliferativas, na infecção pelo vírus da
imunodeficiência humana adquirida ou mesmo na hanseníase virchowiana, o
prurido, a xerose e a ictiose adquirida podem ser sinais ou sintomas
prodrômicos e nesse contexto devem ser valorizados.17, 19, 35
Dermatoses relacionadas à imunossupressão, tais como a escabiose crostosa,
herpes-zóster disseminado e infecções fúngicas atípicas, são descritas.17,
53, 54
Os critérios para o diagnóstico da ATL podem assim ser sumarizados:
presença de anticorpos anti- HTLV-1, prova da integração monoclonal de segmento
proviral do HTLV-1 em células tumorais, prova histológica ou citológica da
presença de células malignas linfóides com antígenos de superfície da linhagem
T (CD2, CD3 CD4+) e CD25+, presença de linfócitos anormais no sangue periférico
(células com núcleos convolutos ou flower cells – exceção para o subtipo
linfoma – e linfócitos pequenos com núcleos lobulados). 33 Outras
manifestações clínicas e laboratoriais, como as lesões de pele e hipercalcemia,
são pontuadas em critérios de probabilidade do diagnóstico.55 O
espectro da ATL engloba os tipos agudo, linfoma, crônico, smouldering
(indolente). A forma aguda predomina, enquanto as formas crônicas e cutâneas
primárias seriam mais observadas no Japão em função do seu reconhecimento e
diagnóstico mais precoces.6
O quadro clínico é polimorfo, e, diferente dos outros linfomas de
células T não relacionados ao HTLV-1 que podem comprometer unicamente a pele,
na ATL as lesões cutâneas são freqüentemente associadas ao comprometimento de
órgãos internos,48 exceção para a forma cutânea primária associada
ao HTLV-1.47
Na forma subaguda, indolente ou pré-leucêmica (smouldering) as
lesões de pele geralmente constituem a primeira manifestação clínica, e podem
preceder por meses ou anos a fase leucêmica aguda. As lesões podem
assemelhar-se àquelas observadas na MF56 e em outras formas da ATL,
mas freqüentemente são inespecíficas e respondem ao corticóide tópico.48
No Brasil, lesões cutâneas foram encontradas em 67% dos casos; 48 na
forma aguda, foram descritas em 60% dos casos,48 com predominância
de lesões papulosas e nodulares.17 A forma crônica foi a que teve
maior percentual de casos com lesões de pele (73%) na casuística brasileira.48
O quadro clínico é arrastado, tem semelhança com a MF, e nele podem ser
observadas placas eritêmato-edematosas e eritrodermia.17, 56
A forma caracterizada como linfoma foi a que teve menor percentual de
comprometimento cutâneo (30%);48 entretanto, é a que tem
manifestações mais exuberantes, com lesões extensas do tipo placas que tendem a
se infiltrar formando nódulos e tumorações, além da presença de eritrodermia.17
Lesões purpúricas cujo mecanismo é desconhecido, mas não relacionadas à
trombocitopenia, já foram descritas em oito pacientes no Japão.57 Em
um caso relatado, os autores admitem que as lesões sejam específicas da ATL.57
A morfologia da lesão cutânea na ATL pode guardar relação com o aspecto
da histologia e também com o prognóstico.47 Yamaguchi e
colaboradores58 encontraram tempo médio de sobrevida de nove meses
para pacientes com lesões nodulares, 11 meses para aqueles com pápulas e 32
meses para os que tinham eritema. O exame histopatológico da pele dos pacientes
com ATL pode ser indistinguível da MF, mostrando densos infiltrados de células
pleomórficas (linfócitos atípicos), que ocupam a derme e podem chegar ao
subcutâneo. O infiltrado, que pode ser superficial ou mais difuso, consiste de
células T de tamanho médio ou grande, exibindo núcleos pleomórficos ou
polilobulados com epidermotropismo marcante. Na forma indolente observa-se
infiltrado dérmico esparso com células mostrando poucas atipias.56 O
padrão de linfoma de célula T periférica predomina, mas não é exclusivo, sendo
descritos outros padrões.59
O
prognóstico depende da variante clínica da ATL. Nas formas agudas e
linfomatosas a sobrevida média varia de duas semanas a mais de um ano. Nas
formas crônicas e indolentes o curso é mais protraído, sendo a sobrevida mais
longa. No entanto, pode ocorrer a transformação para a forma aguda, com curso
agressivo. Causas de óbito na ATL incluem as infecções como pneumonia por Pneumocystis
jirovecii, herpes-zóster disseminado, meningite criptocócica, além de
hipercalcemia e coagulação intravascular disseminada. 33,5Contato: Carlos Soares 51 999.76.2483 - Email: htlv.pet.rs@gmail.com - www.vitamore.com.br
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