PARTE I
Revista
Brasileira de Reumatologia
On-line version ISSN 1809-4570-Rev. Bras.
Reumatol. vol.46 no.5 São Paulo Sept./Oct. 2006-http://dx.doi.org/10.1590/S0482-50042006000500006
Doenças Reumáticas Auto-Imunes em
Indivíduos Infectados pelo HTLV-1
Mônica Martinelli Nunes de CarvalhoI;
Albino E. NovaesII; Edgar Marcelino de CarvalhoIII; Maria
Ilma AraújoIV
IEspecialista
em Reumatologia, Mestre em Imunologia e Professora da UFBA
IIChefe do Serviço de Reumatologia do HUPES da UFBA
IIIProfessor Livre Docente da UFBA, Chefe do Serviço de Imunologia
do HUPES
IVProfessora Adjunta da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e
Pesquisadora do Serviço de Imunologia do HUPES da UFBA
RESUMO
O HTLV-1 foi o primeiro retrovírus humano a ser
associado às doenças malignas leucemia e linfoma de células T do adulto (LLTA).
Ele está relacionado também a uma doença inflamatória crônica do sistema
nervoso central (SNC) conhecida como paraparesia espástica tropical/mielopatia
associada ao HTLV-1 (PET/MAH). O HTLV-1 tem sido implicado na patogênese de
várias doenças auto-imunes, tais como: diabetes, esclerose múltipla, dermatite
infectiva, uveíte e artropatia. Ao longo dos anos, a infecção retroviral tem
assumido um importante papel na patogênese das doenças reumáticas auto-imunes.
Partículas semelhantes aos retrovírus têm sido identificadas em tecidos de
pacientes com artrite reumatóide (AR), síndrome de Sjögren, lúpus eritematoso
sistêmico (LES) e polimiosite. A síndrome de Sjögren e a AR têm sido as doenças
reumáticas mais encontradas nos pacientes infectados pelo HTLV-1, sendo a
freqüência mais elevada nos pacientes com mielopatia. A alta prevalência de
síndrome de Sjögren e de AR entre os indivíduos com mielopatia sugere que a
carga viral e a resposta inflamatória exacerbada, que concorrem para o
desenvolvimento da mielopatia, devem também influenciar no desenvolvimento das
doenças reumáticas auto-imunes.
INTRODUÇÃO
Recentes estudos na virologia molecular e
imunologia do HTLV-1 mostram a importância da resposta imune do hospedeiro na
evolução clínica de doenças associadas à infecção pelo HTLV-1 e buscam
explicações para o fato de que alguns portadores do vírus desenvolvem doenças
graves, enquanto a maioria permanece saudável ao longo da vida(1).
Nos indivíduos que desenvolvem doenças, estas podem ser incapacitantes e fatais
e ainda não se dispõe de vacinas ou tratamento satisfatório para a infecção e
nenhuma maneira de prevenir o desenvolvimento de doenças graves nas pessoas
infectadas. Carvalho et al(2) demonstraram que células de
portadores do HTLV-1 sem manifestações neurológicas secretam altos níveis de
IFN-g, TNF-a, IL-5 e
IL-10 in vitro na ausência de estímulo, comparados com células de
doadores de sangue soronegativos para o HTLV-1. Como o vírus induz também no
sistema imune uma resposta proliferativa linfocitária exuberante, tem-se
aventado a possibilidade de que doenças auto-imunes sejam mais freqüentes
nestes indivíduos(3). Existem na literatura dados que sugerem um
aumento de manifestações articulares entre indivíduos infectados pelo HTLV-1(4,
5, 6). No Brasil, particularmente, na cidade de Salvador (BA), a
prevalência da infecção pelo HTLV-1 é de aproximadamente 1,8%, sendo uma das
maiores do País(7), e ainda não existem dados na literatura
relacionados à freqüência de doenças associadas ao HTLV-1 nesta população.
Neste
trabalho serão discutidas as principais doenças reumáticas auto-imunes
associadas à infecção pelo HTLV-1 de acordo com o que vem sendo publicado sobre
o assunto.
MECANISMOS DE AUTO-IMUNIDADE INDUZIDOS PELO HTLV-1
IMPLICADOS NO DESENVOLVIMENTO DE ARTROPATIAS
Tem sido descrito que a infecção pelo HTLV-1 induz
a expressão de moléculas do complexo principal de histocompatibilidade
(CPH/MHC) de classe I e II em células neuroblastômicas(8). Aono et
al(9) observaram indução similar de moléculas de MHC em células
sinoviais infectadas pelo HTLV-1. A alta expressão de MHC e conseqüente aumento
na apresentação de antígenos na sinóvia, além da alta produção de citocinas
pró-inflamatórias, induzidas pelo HTLV-1, sugere a participação do vírus no
desenvolvimento de auto-imunidade e artropatia em indivíduos infectados por
este vírus(10). Foi demonstrado, por exemplo, que o gene regulatório
tax do HTLV-1 pode ativar muitos genes relacionados à resposta imune, tais
como, os genes da IL-1, IL-2, do receptor de IL-1 e da IL-6. O aumento da
expressão de IL-6 por células sinoviais tem contribuído para a fisiopatologia
da artrite relacionada ao HTLV-1(11). Saijo et al(12)
demonstraram que a ativação de célula T pela IL-1 é importante para o
desenvolvimento de auto-imunidade e artrite em camundongos transgênicos. Outros
estudos em camundongos transgênicos sugerem que os elevados níveis de IL-2
previnem a apoptose das células T auto-reativas, mediada pelo Fas na periferia,
e isso representaria um mecanismo importante para o desenvolvimento de
artropatia auto-imune(13). Um outro mecanismo envolvido na
patogenicidade da artropatia inflamatória semelhante à artrite reumatóide (AR),
desenvolvida em camundongos transgênicos carreando a região env-pX do HTLV-1, é
a quebra de tolerância para auto-antígenos presentes nas articulações afetadas,
gerando expansão oligoclonal de células T(14). O gene tax do HTLV-1,
como demonstrado por Khoa et al(15) em modelo experimental,
pode também ativar um outro gene denominado de HOXD9 envolvido no
desenvolvimento de artrite.
Dentre as
várias explicações para o fenômeno de auto-imunidade em indivíduos infectados
pelo HTLV-1, encontra-se também o mimetismo molecular, caracterizado por uma
resposta imune ao agente infeccioso que reage cruzadamente com antígenos do
hospedeiro, resultando em doença. Esta hipótese tem sido implicada na patogênese do diabetes,
do lúpus e da esclerose múltipla em indivíduos infectados pelo vírus(16).