Anais
Brasileiros de Dermatologia – PARTE VI
An. Bras. Dermatol. vol.83 no.5 Rio
de Janeiro Sept./Oct. 2008
EDUCAÇÃO MÉDICA CONTINUADA
Manifestações
Dermatológicas na HAM/TSP
A HAM/TSP é mielopatia grave e incapacitante, de início insidioso, que
compromete o controle vesical, acarreta distúrbios sensoriais e paraparesia
espástica lentamente progressiva.30 Predomina em adultos do sexo
feminino, embora seja relatada em crianças e adolescentes.6, 26, 30
É relacionada com transmissão por via sexual no adulto e com carga proviral
aumentada.6 O risco para desenvolvê-la ao longo da vida é estimado
entre 0,3 e 4% dos infectados.7 Caracteriza-se por resposta de
imunidade celular pro-inflamatória exagerada, com produção de IFN-γ e TNF-α,
possivelmente aliada a condicionamento genético.7 Lesões de pele já
foram descritas em associação com a HAM/TSP: xerodermia, eritema palmar e malar
foram observados em pacientes japoneses.60 Os quadros de xerose
cutânea são os mais freqüentemente associados à doença 61 (Figura 3). Estudo brasileiro demonstrou freqüência
aumentada de dermatofitoses (onicomicose), xerose, dermatite seborréica,
eritema palmar e candidíase no grupo de doentes, contudo a associação
significativa foi para xerose, candidíase cutânea e eritema palmar. No mesmo
estudo outras alterações descritas foram: eczema crônico, reações por drogas,
fotossensibilidade, escabiose, verrugas, foliculite decalvante, eritema nodoso,
vitiligo e molusco contagioso.61 Ictiose adquirida de caráter
moderado a grave foi encontrada em 43% de um grupo de pacientes avaliados em
outro estudo.62 Enquanto a candidíase poderia ser explicada pela
perda do controle esfincteriano,61 as alterações xeróticas e a
ictiose adquirida não têm seu mecanismo completamente esclarecido.17
Alterações autonômicas com redução da resposta simpática na pele são descritas
nos indivíduos com HAM/TSP, mas o dano direto na pele pelo linfócito infectado
poderia estar implicado na gênese da xerose.61 A ativação de
queratinócitos foi demonstrada por Milagres e colaboradores,62 que
admitem o papel de citocinas produzidas por linfócitos infectados nesse
processo. A associação da DI com HAM/TSP já foi comentada.30 A
Organização Mundial de Saúde inclui nos critérios para o diagnóstico da HAM/TSP
manifestações sistêmicas não neurológicas, que podem estar associadas, e entre
elas a síndrome de Sjögren, ictiose, vasculites e ATL.63
Manifestações dermatológicas em indivíduos assintomáticos soropositivos
para o HTLV-1
Além das várias manifestações cutâneas observadas na ATL e na HAM/TSP,
existem evidências de que lesões dermatológicas podem estar associadas à
infecção pelo HTLV-1 em indivíduos assintomáticos 17, 64 (Quadro 2).
Em estudo transversal feito em candidatos à doação de sangue,
Gonçalves e colaboradores 18 encontraram alterações da pele
predominando significativamente no grupo de soropositivos assintomáticos para o
HTLV-1 quando comparado ao grupo controle soronegativo. Dermatofitoses,
dermatite seborréica e ictiose adquirida foram associadas à soropositividade (Figura 4). A detecção do provírus na lesão, utilizando- se
a técnica de PCR, foi mais freqüente nos espécimes de pele com lesão do que na
pele normal, controle pareado, do mesmo paciente.18 Outro estudo
transversal feito em três gerações de família com alta prevalência de infecção
pelo HTLV-1 demonstrou a relação entre a infecção e o achado de lesões
cutâneas, especialmente as relacionadas à xerose.65
Tem sido relatado que pacientes atendidos em clínicas dermatológicas,
com ênfase ou não em tratamento de doenças de transmissão sexual, têm maior
prevalência da infecção pelo HTLV-1 do que a observada na população em geral.66-68
A ocorrência de DA e DS foi significativamente associada à infecção pelo HTLV-1
na Jamaica.69 A DS foi associada à alta carga proviral em crianças,
enquanto a DA não mostrou tal associação.28 Posteriormente a DA foi
observada em 16 crianças dessa mesma coorte, e foi relacionada a aumento da
carga proviral por um ano depois do ponto de estabilização dos títulos de anticorpos,
sugerindo expansão de clones de células infectadas. Os autores aventam a
possibilidade de que essa expansão clonal possa ser um marcador para doença
relacionada ao HTLV-1 na idade adulta.70
A associação da escabiose com a infecção pelo HIV e pelo HTLV-1 é bem
conhecida.71 Em países cuja prevalência da infecção pelo HTLV-1 é
alta, a escabiose crostosa (EC) é um marcador dessa infecção. A EC tem
características psoriasiforme e verrrucosa nas mãos e pés, com hiperqueratose
das unhas, eritema e descamação envolvendo face, couro cabeludo e tronco (Figura 5). Pode ainda estar localizada exclusivamente em
face, mão, pé, pododáctilo ou região plantar. O prurido pode ser mínimo.71
As causas descritas para esse tipo de escabiose são: supressão da resposta
celular T (como na infecção pelo HIV, HTLV-1, ATL e transplantados), diabetes,
várias neuropatias (incluindo a hanseníase), artrite reumatóide, lúpus eritematoso
sistêmico e desnutrição. Nos indivíduos sem fatores identificados para
imunossupressão é possível que o quadro seja decorrente de resposta imune do
tipo Th2.53 Interessante salientar que a EC tem sido relatada na
HAM/TSP61,72 condição conhecida pela grande produção de citocinas
pró-inflamatórias, mas que tem também títulos aumentados de anticorpos. 7
Em 78 casos de EC estudados na Austrália, observou-se aumento de IgE em 96% e
eosinofilia em 58%. Nesse estudo, fatores de risco para imunossupressão estavam
presentes em mais da metade dos casos, incluindo três pacientes com infecção
por HTLV-1.53 Em estudo de 91 casos de escabiose na Bahia, Brites e
colaboradores73 encontraram 32% dos casos associados à infecção por
HTLV-1 e 20% em coinfectados por HIV/HTLV-1. Escabiose crostosa foi preditiva
da co-infecção HIV/HTLV-1 e pareceu estar associada à imunodeficiência grave e
ao óbito. Nenhum caso de ATL foi observado, em seguimento de dois anos. Formas
graves de escabiose (mais de 80% do corpo com lesões, mas sem todas as
características de EC) foram fortemente associadas com infecção por HTLV-1.73
No Peru, 23 casos de EC foram testados para HTLV-1, resultando em 69,9% de
soropositividade. Dos 16 soropositivos, um caso de ATL e quatro eram infectados
assintomáticos, incluindo três casos com infestações recidivantes que
resultaram em dois óbitos.72 Relatos de casos de EC associados a
tinhas também foram descritos em indivíduos soropositivos assintomáticos.74,
75
As micoses superficiais podem ter sua clínica modificada pela
imunossupressão não só na morfologia e extensão das lesões como também na
evolução.54 Formas graves, invasivas de infecção foram descritas na
ATL.54 Onicomicoses foram observadas em casos de HAM/TSP, sem
associação significativa.61 As dermatofitoses foram associadas à
condição de soropositividade, especialmente a tinha dos pés18, 64
(Figuras 6 e 7).
O encontro de lesões de pele em soropositivos assintomáticos pode ter
relevância para o diagnóstico da infecção pelo HTLV-1 e na abordagem de lesões
recidivantes ou refratárias ao tratamento convencional.64 Em um país
de dimensões continentais, com grande fluxo migratório de populações e que tem
áreas conhecidamente endêmicas para a infecção pelo HTLV-1, é da maior
importância a atenção do dermatologista para fazer a investigação em pacientes
com ictiose adquirida sem causa aparente, EC, dermatofitoses e DS atípicas ou
de difícil controle, e em crianças com eczemas extensos refratários ou que
tenham critérios para diagnóstico de DI.
Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0365-05962008000500002