terça-feira, 10 de janeiro de 2017

DOENÇAS REUMÁTICAS AUTO-IMUNES E A INFECÇÃO PELO HTLV - PARTE I

                                            PARTE I
                               Revista Brasileira de Reumatologia

On-line version ISSN 1809-4570-Rev. Bras. Reumatol. vol.46 no.5 São Paulo Sept./Oct. 2006-http://dx.doi.org/10.1590/S0482-50042006000500006 

Doenças Reumáticas Auto-Imunes em Indivíduos Infectados pelo HTLV-1

Mônica Martinelli Nunes de CarvalhoI; Albino E. NovaesII; Edgar Marcelino de CarvalhoIII; Maria Ilma AraújoIV

IEspecialista em Reumatologia, Mestre em Imunologia e Professora da UFBA
IIChefe do Serviço de Reumatologia do HUPES da UFBA
IIIProfessor Livre Docente da UFBA, Chefe do Serviço de Imunologia do HUPES
IVProfessora Adjunta da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e Pesquisadora do Serviço de Imunologia do HUPES da UFBA

RESUMO

O HTLV-1 foi o primeiro retrovírus humano a ser associado às doenças malignas leucemia e linfoma de células T do adulto (LLTA). Ele está relacionado também a uma doença inflamatória crônica do sistema nervoso central (SNC) conhecida como paraparesia espástica tropical/mielopatia associada ao HTLV-1 (PET/MAH). O HTLV-1 tem sido implicado na patogênese de várias doenças auto-imunes, tais como: diabetes, esclerose múltipla, dermatite infectiva, uveíte e artropatia. Ao longo dos anos, a infecção retroviral tem assumido um importante papel na patogênese das doenças reumáticas auto-imunes. Partículas semelhantes aos retrovírus têm sido identificadas em tecidos de pacientes com artrite reumatóide (AR), síndrome de Sjögren, lúpus eritematoso sistêmico (LES) e polimiosite. A síndrome de Sjögren e a AR têm sido as doenças reumáticas mais encontradas nos pacientes infectados pelo HTLV-1, sendo a freqüência mais elevada nos pacientes com mielopatia. A alta prevalência de síndrome de Sjögren e de AR entre os indivíduos com mielopatia sugere que a carga viral e a resposta inflamatória exacerbada, que concorrem para o desenvolvimento da mielopatia, devem também influenciar no desenvolvimento das doenças reumáticas auto-imunes.

INTRODUÇÃO

Recentes estudos na virologia molecular e imunologia do HTLV-1 mostram a importância da resposta imune do hospedeiro na evolução clínica de doenças associadas à infecção pelo HTLV-1 e buscam explicações para o fato de que alguns portadores do vírus desenvolvem doenças graves, enquanto a maioria permanece saudável ao longo da vida(1). Nos indivíduos que desenvolvem doenças, estas podem ser incapacitantes e fatais e ainda não se dispõe de vacinas ou tratamento satisfatório para a infecção e nenhuma maneira de prevenir o desenvolvimento de doenças graves nas pessoas infectadas. Carvalho et al(2) demonstraram que células de portadores do HTLV-1 sem manifestações neurológicas secretam altos níveis de IFN-g, TNF-a, IL-5 e IL-10 in vitro na ausência de estímulo, comparados com células de doadores de sangue soronegativos para o HTLV-1. Como o vírus induz também no sistema imune uma resposta proliferativa linfocitária exuberante, tem-se aventado a possibilidade de que doenças auto-imunes sejam mais freqüentes nestes indivíduos(3). Existem na literatura dados que sugerem um aumento de manifestações articulares entre indivíduos infectados pelo HTLV-1(4, 5, 6). No Brasil, particularmente, na cidade de Salvador (BA), a prevalência da infecção pelo HTLV-1 é de aproximadamente 1,8%, sendo uma das maiores do País(7), e ainda não existem dados na literatura relacionados à freqüência de doenças associadas ao HTLV-1 nesta população.

Neste trabalho serão discutidas as principais doenças reumáticas auto-imunes associadas à infecção pelo HTLV-1 de acordo com o que vem sendo publicado sobre o assunto.

MECANISMOS DE AUTO-IMUNIDADE INDUZIDOS PELO HTLV-1 IMPLICADOS NO DESENVOLVIMENTO DE ARTROPATIAS

Tem sido descrito que a infecção pelo HTLV-1 induz a expressão de moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (CPH/MHC) de classe I e II em células neuroblastômicas(8). Aono et al(9) observaram indução similar de moléculas de MHC em células sinoviais infectadas pelo HTLV-1. A alta expressão de MHC e conseqüente aumento na apresentação de antígenos na sinóvia, além da alta produção de citocinas pró-inflamatórias, induzidas pelo HTLV-1, sugere a participação do vírus no desenvolvimento de auto-imunidade e artropatia em indivíduos infectados por este vírus(10). Foi demonstrado, por exemplo, que o gene regulatório tax do HTLV-1 pode ativar muitos genes relacionados à resposta imune, tais como, os genes da IL-1, IL-2, do receptor de IL-1 e da IL-6. O aumento da expressão de IL-6 por células sinoviais tem contribuído para a fisiopatologia da artrite relacionada ao HTLV-1(11). Saijo et al(12) demonstraram que a ativação de célula T pela IL-1 é importante para o desenvolvimento de auto-imunidade e artrite em camundongos transgênicos. Outros estudos em camundongos transgênicos sugerem que os elevados níveis de IL-2 previnem a apoptose das células T auto-reativas, mediada pelo Fas na periferia, e isso representaria um mecanismo importante para o desenvolvimento de artropatia auto-imune(13). Um outro mecanismo envolvido na patogenicidade da artropatia inflamatória semelhante à artrite reumatóide (AR), desenvolvida em camundongos transgênicos carreando a região env-pX do HTLV-1, é a quebra de tolerância para auto-antígenos presentes nas articulações afetadas, gerando expansão oligoclonal de células T(14). O gene tax do HTLV-1, como demonstrado por Khoa et al(15) em modelo experimental, pode também ativar um outro gene denominado de HOXD9 envolvido no desenvolvimento de artrite.

Dentre as várias explicações para o fenômeno de auto-imunidade em indivíduos infectados pelo HTLV-1, encontra-se também o mimetismo molecular, caracterizado por uma resposta imune ao agente infeccioso que reage cruzadamente com antígenos do hospedeiro, resultando em doença. Esta hipótese tem sido implicada na patogênese do diabetes, do lúpus e da esclerose múltipla em indivíduos infectados pelo vírus(16).
Contato: Carlos Soares 51 999.76.2483-Email: htlv.pet.rs@gmail.com

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